Pela importância e actualidade do seu conteúdo - para os treinadores de crianças e jovens, para os pais e educadores e para os próprios jovens - permitimo-nos transcrever o seguinte documento, publicado como um depoimento do prof. Olímpio Coelho(*), para os leitores do nosso blogue. Esperamos que apreciem.
Sem dúvida que o sucesso em desporto se mede em termos de vitórias, títulos, recordes pondo a ênfase no resultado do confronto entre adversários. Todavia, os praticantes, sobretudo os jovens e com menos experiência, tal como os seus treinadores, têm pouco controlo sobre os resultados das competições. Pelo contrário, dispõem de considerável capacidade de regular o seu empenho e esforço para realizar tarefas e cumprir objectivos o que é determinante para influenciar a sua aprendizagem e progresso.
Seria irrealista e ingénuo pensar que a vitória não constitui, para as crianças e jovens, algo de relevante. No entanto, é importante ter em atenção que ganhar e perder relacionam-se directamente com o resultado das competições, enquanto sucesso e fracasso, mas não dependem exclusivamente dele envolvendo, necessariamente, outros factores.
Assim, na prática desportiva das crianças e jovens, sendo o resultado das competições claramente insuficientes para definir o conceito de sucesso, este deve englobar, também, o progresso que cada praticante ou grupo evidencia no desempenho das suas tarefas, o grau de satisfação proporcionado pela oportunidade de participar, de se envolver em projectos, fazer amigos, melhorar a condição física, aprender uma modalidade, tentar realizar uma tarefa proposta e por verificar consequências favoráveis dessa sua atitude. Deste modo, qualquer resultado desportivo pode constituir uma oportunidade de sucesso se analisado em função do valor do adversário, dos objectivos da preparação realizada e dos objectivos individuais definidos. Assume, portanto, uma importância relevante ensinar o jovem praticante a valorizar, como primeira referência para a formação do seu conceito de sucesso, a comparação consigo próprio, centrada no percurso, evolução e progresso pessoais e relativizando o significado da comparação com os outros, centrada no resultado desportivo enquanto valor absoluto. Assim, com uma perspectiva ampla de sucesso contribuir-se-á, seguramente, para evitar que os jovens praticantes interiorizem a ideia de que o único objectivo válido é ganhar, atribuam à derrota uma dimensão “catastrófica” e se confrontem, face à sua concorrência, com um forte desapontamento indutor do sentimento de fracasso.
No plano operacional, para gerir adequadamente o sucesso dos jovens praticantes, o treinador deve respeitar, entre outras, as seguintes recomendações:
Elogiar o esforço e os progressos verificados independentemente dos resultados nas competições.
Ensinar os praticantes a orientar o seu empenho e expectativas em primeiro lugar para objectivos de preparação e de realização pessoal em vez de se concentrarem essencialmente no desempenho dos adversários e nos objectivos finais da competição (resultados).
Salientar os progressos dos praticantes e fornecer os elementos concretos que os justificam:
- está a aplicar os ensinamentos transmitidos pelo treinador
- está a melhorar a execução das técnicas em aprendizagem
- está a melhorar no plano das capacidades motoras
Estabelecer objectivos realistas que propiciem condições mínimas de êxito.
Ser paciente face aos erros e às dificuldades de aprendizagem:
- evitando ser punitivo ou hostil assim como ridicularizar ou, por sistema, repreender asperamente e em público
- fornecendo encorajamento após os erros e mostrando que estes são passíveis de correcção
- dando instruções concretas e tarefas que facilitem a correcção dos erros
Distribuir a atenção por todos os praticantes independentemente da capacidade de cada um e do seu desempenho na competição (receber atenção é uma componente importante da percepção de sucesso).
Quando o treinador acentua a filosofia da “vitória a todo o custo”, do “ganhar é tudo” perde de vista os valores e objectivos mais importantes da prática desportiva das crianças e jovens contribuindo para o desenvolvimento, em si e nos praticantes, de uma perspectiva distorcida do conceito de sucesso.
É deste modo, necessário e urgente reorientar o conceito de sucesso transferindo o seu perfil limitado, baseado exclusivamente no resultado, para um perfil mais abrangente que inclua, também, o progresso pessoal e a satisfação proporcionada pelas oportunidades de participação, condição essencial para promover consequências favoráveis sobre:
. a regulação dos níveis de expectativa e de aspiração dos praticantes
• a definição e construção de característica que devem marcar a atitude do treinador de crianças e jovens
• o desenvolvimento do gosto pela prática, do desejo de aprender e melhorar e da persistência na perseguição de objectivos realistas definidos criteriosamente
• a assimilação e aplicação dos princípios que dão corpo ao Espírito Desportivo
Estão reunidos argumentos suficientes para fundamentar uma atitude crítica perante a afirmação “O segundo é o primeiro dos últimos” tantas vezes lida e ouvida, considerando-a como despropositada e destituída de sentido. De igual modo a apreciação da qualidade dos treinadores de crianças e jovens deve processar-se não só com base nas vitórias e títulos que alcançaram mas também sobre o que aprenderam e que progressos evidenciaram os praticantes que por eles foram treinados.
Se as crianças e jovens, para além dos resultados, das vitórias, também retirarem satisfação por se relacionarem com os companheiros e adversários e por fazerem amizades, por melhorarem as suas capacidades e, por via disso, a sua auto-estima e se, no futuro, continuarem interessados na prática do desporto, o treinador de jovens conseguiu cumprir um dos seus objectivos mais importantes. E para tal, um correcto conceito de sucesso desempenha um papel fundamental.
(*) Licenciado em Educação Física, membro de prelectores da Federação Portuguesa de Basquetebol, docente da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias.
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